TEMPUS FUGIT

Eu recebi um e-mail do tempo. Não era spam, não tinha cópia pra ninguém, sem undisclosed recipient, era pra mim e só pra mim. O tempo pessoalmente digitou o destinatário. Posso até vê-lo lá na casa dos minutos incontáveis, sisudo e misterioso, a batucar no laptop com sua túnica branca e a longa barba tocando o chão.

Cliquei no anexo e abri a mensagem que dizia:

Eu sou o tempo desde que me conheço por tempo, nem sei bem do meu começo, amigo velho, muito menos aonde é que vou parar. Ninguém morre inteiramente, deixo a princípio bem claro, fique tranqüilo você e sua raça de esquisitos. Tudo a bem dizer vira outra coisa e assiste ao tempo e seu governo de outras formas: musgo, pedra, graveto, cachorro, molusco ou ser humano. Tudo se rende a mim, o tempo-rei que o Gil cantou com propriedade e reverência.

Sou eu quem amarela as páginas - as impressas, manuscritas, mal-traçadas. As que são e as que faltam virar texto. Digo ao sol quando nascer e se pôr, à maré quando subir, à nuvem quando chover e à novela das oito para começar às nove e dez, o mais tardar. Acalmo os ânimos e aplaco as iras dos viventes destas bandas e de outras tantas por aí, nesse universo ao Deus dará. Sou eu o desassossego dos que têm diários, porque morrem de medo que eu destrua ou enevoe o que viveram.

Vocês são muitíssimo engraçados, conseguem ser enigmas até pra mim que sei de tudo. Fazem reuniões pra ganhar tempo e chegam tarde a todas elas. São peritos em cronogramas e listinhas de urgências, mas passam mais tempo enchendo agendas com coisas a fazer do que fazendo o que tem que ser feito.

Quando você vê meus dois ponteiros correndo inapelavelmente, não seja simplista a ponto de pensar que só estou alertando sobre o próximo compromisso. Estou é lembrando da inadiável finitude que o aguarda, embora esse seu conjunto de átomos se transforme quando inerte em novas e diversas substâncias.

Vou dando corda às acontecências quase sempre tolas que juntas formam sua vida, gerencio o que concedo que ocorra e o que eternamente ficará para depois, na estúpida ilusão do momento propício.

Vou apagando aos bocados, hora a hora, o riso, a voz, os modos, o olhar docinho dos meninos que morrem anjos e deixam as mães sem consolo que dê jeito.

Passo rápido demais para os estafados operadores da Bolsa de Valores de São Paulo, que vivem dizendo que eu, tempo, sou dinheiro. Vôo para os motoboys presos no trânsito com suas entregas atrasadas, me arrasto para os velhinhos que rogam a Nossa Senhora de Lourdes uma visita de seus filhos e para os peixes cheios de tédio em seus aquários.

Eu bem que posso e me demoro quando quero, estico os intervalos entre um segundo e outro, sem que você nem ninguém perceba a tramóia. Esse truque não ensino, amigo velho. É meu domínio e sinaliza meu poder. Nem todo o ouro do seu tacanho planetinha compra essa minha habilidade, que ofereço de presente a quem tem merecimento e mostre respeito a mim.

Agora, volte ao trabalho. E por favor, pare de me matar todo dia com o joguinho de paciência aí do seu computador.

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