POR FAVOR, NÃO LEIA ESTE TEXTO


A hipótese mais provável é que quase todos tenham acatado a sugestão acima e ido embora. Se normalmente tão pouca gente lê, imagine com o autor pedindo para ser ignorado. Mas vou prosseguir em consideração a você, um dos pouquíssimos curiosos que ficaram.

Acontece que te peguei. E peguei pelo título. Tenho pra mim que só existem duas chances de seduzir um leitor – ou no título, ou logo no primeiro parágrafo. Se não fisgou aí, um abraço. Já era. E como os primeiros parágrafos nem sempre são instigantes ou arrebatadores, especialmente os meus, achei mais prudente apostar todas as fichas num título que despertasse a curiosidade.

Usei desse artifício por instinto de sobrevivência, para salvar meu texto da morte prematura. A palavra escrita é mesmo uma injustiçada nesse mundo regido pela pressa. Silencioso, o texto sofre a concorrência desleal de toda sorte de ruídos e distrações. Televisão ligada, choro de criança, esposa pedindo pra trocar a lâmpada, coceira no dedo do pé, telefone tocando, pernilongos e liquidificadores. Chega a ser covardia, tudo é pretexto para se afastar do texto. É diferente do contato com um quadro ou uma música. Aí basta a experiência sensorial, dispensa-se o esforço interpretativo.

Outro inimigo mortal do texto é a preguiça. Para muitos, ler é atividade maçante e tediosa. O texto é algo de que é preciso se livrar o mais rapidamente possível para fazer coisa mais prática. E o texto lá, coitado, quietinho e à mercê de boa vontade e bem-querer...

A essa altura, é grande a possibilidade de você já ter me abandonado. No que, reconheço, estará coberto de razão. Mas caso ainda esteja aí, continue. Você já venceu boa parte da empreitada, não vá me deixar na mão agora. Pense que você terá perdido uns três minutinhos, enquanto eu levei muito mais tempo às voltas com isso aqui. Considere o zelo que tive pensando em sua fruição estética, começando não sei quantas vezes do zero para não entediá-lo. Seria uma deselegância de sua parte deixar isso ir por água abaixo.

Talvez para segurá-lo eu tenha que criar um turning point. A famosa reviravolta na narrativa, forjada para reacender o interesse. Dez entre dez roteiristas de novela utilizam esse recurso, sempre que a ação começa a ficar previsível.

Não adianta querer enganá-lo, leitor. Logo você percebe a encheção de lingüiça, os recursos, truques, forçações de barra e cai fora mesmo, sem a menor cerimônia. A menos que o autor seja muito famoso, uma celebridade das letras. Unanimidade tão indiscutível que, pelo respeito a ele, você se sente na obrigação de ler o que escreveu.

Difícil mesmo hoje em dia é encontrar o leitor apaixonado, que se abstrai de tudo para mergulhar na leitura. Que mesmo lendo de pé, dentro de um ônibus cheio, consegue se transportar para uma cena de amor num castelo da Normandia. Por outro lado, como é chato aquele leitor que mede o texto pelo valor instrumental e utilitário. O que acha que todo escrito tem que servir pra alguma coisa, ter começo, meio e fim, expressar claramente uma idéia ou opinião. Enfim, dizer a que veio, como os manuais do proprietário, as bulas de remédio, as receitas de bolo e as apostilas de colégio. Ainda bem que você não é esse cara, pois se fosse já teria debandado há dezenas de linhas.

Está achando que perdeu seu tempo? Não foi por falta de aviso. Desde o começo eu disse que não era para ler.

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