NANA, NENÊ



Nana, nenê, que a cuca vem pegar. Papai foi pra roça carpir a lida diária no latifúndio de prédios, pra trazer depois do rush seu pastoso mingauzinho. Mamãe também carpe, mas um carpir diferente. Essa ao que aparenta nem liga tanto pra você, importa mais a ela a disposição equilibrada dos ursos felpudos na estante do seu quarto. Sabe que o seu choro não é o choro das dores de pesar, dor de desalento que torna descrentes os cristãos de pedra. Seu choro, nenê, é o choro da manha, do imediato da fome, da cólica e da birra. Nada que se leve a sério e tire o sono de mãe nenhuma. De mãe como a sua, nem fale. Essa chorou dor de perda repentina, sentida mesmo, quando seu irmãozinho mais velho foi pro céu. Talvez por isso tenha ficado assim, maníaca. Nada pode, menino, nem hoje nem nunca, entrecortar essa respiração sossegada e tão sua, tão fundamente respirada. Quando se cresce, só se é desencanado com a cachola cheia ou com uns tragos na erva ruim, fique o nenê sabendo, mas nem uma coisa nem outra é bom que se faça, viu? O que mais vale na vida é esse seu tempo de agora, a natureza desentorpecida dos pequenos. Meu menino, aproveite enquanto pode chafurdar o narizinho nos sachês de sabonete da sua gaveta de coisinhas de nenê. Ninguém dá jeito nessa dobradiça, que range forte quando bate o vento e quase arranca você da ciranda de algodões-doces de cores e tamanhos variados. De vez em quando se vê na sua face bochechuda um risinho de canto de boca, parece o esgar sacana dos adultos sorvendo algum deleite proibido. O que se passa nesses seus neurônios virgens na hora da naninha é coisa que só ao nenê diz respeito, mas bota a gente curioso como quê. As grades do berço guardem você enquanto puderem do reajuste das tarifas, das oscilações da bolsa e da pequenês que rege os que mandam e os que obededem, os que andam de helicóptero e os escravos do metrô. Pudesse a vida pausar nós todos no exato meio metro de você, com a graça e a meiguice de você, imperador vitalício da república federativa dos bebês. Meu mínimo monarca, seria bom que só vendo o principado soberano dos infantes, com hino, constituição, embaixadas espalhadas pelo mundo e representante nas Nações Unidas. País feito de lego, nas ruas o trânsito congestionado por carrinhos de miniatura, o governo subsidiando a farta distribuição de cestas básicas repletas de lápis de cor e massa de modelar. Mas olha aí outro risinho cínico de canto de boca, como que entendendo o que estou pensando e debochando desses sonhos bobos. O véu de voal fino que separa você de mim é uma couraça intransponível, nenezinho. A música do caminhão de gás a algumas quadras daqui talvez te acorde pra papinha e me desperte para a rotina ingrata dos que têm mais o que fazer.

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