PELOS VÃOS DESSES MEUS DEDOS
Ilustração: Marco Fraga
“Diga-me com quem andas e te direi quem és”. Então quando é que eu, que vivo cercado desses entes de estranheza, poderei dizer quem sou? Só sei que ando à espera e à espreita, no passo da cautela, na boca um riso nervoso. Prossigo perseverante, abrindo na faca o mato e sabendo que é só o começo desse esboço de caminho. Radiestesista a rastrear com pêndulo, sonda do fantasma que não se anuncia e ainda assim marca presença quanto mais se faz ausente. No fumegante da torta, no porta-retrato que cai a cada esbarrão no piano e onde mais se dê ocasião de encontro e espanto. O certo é que espero no portão, da alvorada à lua crescente, estes seres de túnicas iguais e rostos indistintos, o que me põe a postos todo o tempo como um guarda da rainha. Que deixem eles a prova cabal do que de fato são, pois juraram aparecer sempre por esta parte de mim que raciocina e sente – onde dou abrigo a todos, generosamente. A questão é se apresentarem sem sombra de dúvida aos cinco sentidos, tangíveis para virarem foto no velho álbum de família. Mas de costume se embrenham pelos sulcos do assoalho deste salão de fazenda, espertos e escorregadios. O mais das vezes sussurram e vão embora, antes que se tornem coisa que se veja e com quem se fale e se convide para uns bolinhos de chuva e um gole bem servido de cachaça. E assim precipitam-se comigo ao fundo do poço mais fundo, sem dar a mínima esperança de salvação a ninguém.
© Direitos Reservados
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