LOOPING
Cristais
bisotê: a primeira coisa em que reparei, assim que consegui abrir os olhos. Já
tinha ouvido falar em Experiência de Quase Morte, aquilo me parecia isso.
Espirais, túneis, uma força puxando para a grande luz.
A mulher
muito linda, refletida nos cristais. Mas desconhecida. Nada que me lembrasse,
nela, um ente querido já morto me recebendo. Eu poderia estar sonhando no
quarto exalando éter. Ou me ambientando ao outro lado. Importava saber. Era
justo, era eu no limbo.
- Foi
muito tempo na passagem. Você não se deu conta de quanto, ela diz.
Normal.
Costelas se descamando, hematomas esparsos, normal. E barba.
-Todos
chegam assim, com essa cara de Moisés.
Tentei
olhar para os cristais, querendo um reflexo de mim.
O carrinho de
montanha russa. Descarrilou. Ouço a notícia na TV do quarto, envolto em gesso e
calafrios. Mas e a moça dos cristais? Quem? Descarrilei, morri ou alucino em
observação?
Água, um
jato forte ensopa os meus andrajos. Já sei: estou na montanha russa e passo
pela água no final da volta, muitas montanhas russas são assim. Nem morto, nem
em observação. Ainda estou no brinquedo, a alucinação está acontecendo pelo
excesso de adrenalina.
Assusta
o limbo de saber-se ou não no limbo. Assusta e cansa a imprecisão. Random, bola de pinball. Alguém maior
que você, dono de você, tentando manter a bolinha pontuando. Game Over? Quando
você se põe na minha pele morta-viva, estilingado no caos, puxando um ar que
não infla e sem alento que baste, sobram apenas perguntas. Mais e difíceis
perguntas. Tento coçar as costas. O gesso não deixa.
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